Os assassinatos dos meninos Italo, 10,
e Waldik, 11, neste mês de junho na cidade de São Paulo realçam um
problema que tem números alarmantes no Brasil: a violência contra
crianças e adolescentes. Um estudo divulgado nesta quinta-feira (30)
mostra que o país ocupa o terceiro lugar em homicídios nessa faixa
etária em um conjunto de 85 nações analisadas. Em 2013, último ano com
dados disponíveis, foram assassinados 10.520 crianças e adolescentes no
Brasil, o que resulta em uma média de 29 casos por dia.
A maioria das vítimas era negra, do sexo
masculino e foi atingida por disparo de arma de fogo. "É um número
bárbaro, extremamente elevado", afirma o sociólogo Julio Jacobo
Waiselfisz, autor do estudo e coordenador do Programa de Estudos sobre
Violência da Flacso (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais),
responsável pela série Mapa da Violência.
O estudo tem como base dados do Sistema
de Informações de Mortalidade, do Ministério da Saúde, e compila
estatísticas disponíveis desde 1980.
Jacobo frisa que, apesar de os números
serem chocantes, o ritmo de crescimento da violência contra crianças e
adolescentes vinha caindo. De acordo com o estudo, a alta dos homicídios
foi de 174% na década de 1980, baixou para 63% na década de 1990 e para
7% na primeira década do século 21.
Os números totais de assassinatos
apresentaram um declínio entre 2003 e 2010, mas voltaram a subir
continuamente desde então. A alta de 2010 a 2013 foi de 21%. As causas
naturais ainda são as maiores responsáveis pelas mortes de crianças e
adolescentes, mas vêm caindo com constância.
A participação dos homicídios no total
de mortes de crianças e adolescentes no país subiu de 9% em 2003 para
14% em 2013. No entanto, o ritmo de crescimento dessa participação caiu
de 365% na década de 1980 para 56% na década passada e para 20% no
período de 2010 a 2013.
Na avaliação do pesquisador da Flacso,
políticas públicas como a campanha do desarmamento implantadas desde o
início do século são as responsáveis pela contenção do ritmo de aumento
da violência. A sociedade brasileira, afirma Jacobo, começou a se
conscientizar de que o país é violento.
Por idade
Os dados de 2013 mostram que as mortes por causas externas superam as provocadas por causas naturais a partir dos 14 anos de idade e atingem o pico em termos proporcionais no final da adolescência.
Os dados de 2013 mostram que as mortes por causas externas superam as provocadas por causas naturais a partir dos 14 anos de idade e atingem o pico em termos proporcionais no final da adolescência.
"A principal causa responsável por esse
incremento drástico nas causas externas são os homicídios que,
representando algo em torno de 2,5% do total de mortes até os 11 anos de
idade das vítimas, inicia um violento crescimento na entrada da
adolescência, aos 12 anos de idade, quando pula para 6,7% do total de
mortes; para 14,0%, aos 13 anos, para 25,1%, aos 14, e assim seguindo,
até alcançar seu pico de participação, aos 17 anos de idade, quando
atinge a marca de 48,2% da mortalidade", aponta Jacobo no Relatório
Violência Letal Contra as Crianças e Adolescentes do Brasil.
Com uma taxa de 4,3 homicídios por cem
mil habitantes, o Brasil é o terceiro país mais violento para crianças e
adolescentes de 10 a 14 anos em uma lista de 85 nações. E fica na mesma
posição, com uma taxa 16,3, na faixa de 1 a 19 anos. Nas duas
situações, o Brasil só não é mais violento que o México e El Salvador,
de acordo com dados da OMS (Organização Mundial da Saúde).
Estados e capitais
Em números absolutos, a Bahia teve o maior número de assassinatos de crianças e adolescentes em 2013, com 1.171 casos. Entretanto, a taxa por cem mil habitantes mais alta é a de Alagoas, com 43 homicídios, o que representou um aumento de 193% em relação a 2003, quando o Estado era o sétimo mais violento para crianças e adolescentes – na época, o Rio tinha o índice mais elevado.
Em números absolutos, a Bahia teve o maior número de assassinatos de crianças e adolescentes em 2013, com 1.171 casos. Entretanto, a taxa por cem mil habitantes mais alta é a de Alagoas, com 43 homicídios, o que representou um aumento de 193% em relação a 2003, quando o Estado era o sétimo mais violento para crianças e adolescentes – na época, o Rio tinha o índice mais elevado.
Entre as capitais, Fortaleza (CE) tem as
estatísticas mais altas, tanto em números absolutos (651) quanto na
taxa por cem mil habitantes (81). Em 2003, a capital cearense era a
terceira menos letal para crianças e adolescentes. Em dez anos, sua taxa
por cem mil habitantes cresceu 756%.
Segundo Julio Jacobo, ainda há
subnotificação dos casos de homicídios. O problema, atualmente, diz o
sociólogo, é que Estados registram muitas mortes sem determinar suas
causas. Na Bahia, por exemplo, 4,2 das mortes de crianças e adolescentes
de 1 a 19 por cem mil habitantes não tiveram a causa determinada no
registro.
Para o autor do relatório, o crescimento
da violência no interior do Brasil e em regiões como o Nordeste reflete
um descompasso entre o desenvolvimento econômico e a estrutura do
Estado, que tem fragilidades na área da segurança pública. "Os novos
polos de crescimento atraem investimento, mas também atraem
marginalidade. Têm dinheiro, têm bancos, mas a estrutura do aparelho do
Estado não acompanha esse processo de modernização", afirma Jacobo.