"Num país onde acusações são apuradas ou abandonas
seletivamente, conforme seu interesse político, a denúncia contra Michel
Temer é muito mais grave do que qualquer acusação conhecida contra Lula
ou Dilma mas não chega a ser novidade", diz o colunista Paulo Moreira
Leite; "Sob comando de uma articulação que assumiu o controle de nosso
sistema político, envolvendo a grande mídia, uma parcela do Judiciário e
o empresariado que manda nos grandes negócios, a acusação contra Temer
será cozinhada em fogo brando, para que sua deposição, caso venha a se
tornar inevitável, não implique em novas eleições, que poderiam dar
oxigênio a forças populares que tem sido esmagadas após o golpe de
abril-maio".
O jornalista e escritor Paulo Moreira Leite é diretor do 247 em Brasília
É preciso ter cautela diante da denúncia de que o
interino Michel Temer recebeu R$ 10 milhões em dinheiro vivo da
Odebrecht, conforme a revista VEJA divulga esta semana. Tanto o
arquivamento como a investigação de acusações de natureza política, em
nosso país, constituem processos abertamente seletivos.
Aprendemos isso na AP 470 e no mensalão PSDB-MG. No
metroduto de São Paulo e nas várias denúncias já surgidas contra Aécio
Neves. Nos mistérios do jatinho onde morreu Eduardo Campos, cujo
esclarecimento poderia levar ao financiamento de campanha de Marina
Silva, em 2014. Nos dez milhões pagos ao senador Sergio Guerra para
bloquear investigações numa CPI que poderia esclarecer negócios
suspeitos na Petrobras. A lista é longa, e inclui o caso mais gritante
de 2016: Eduardo Cunha, cuja punição será adiada até onde for necessário
para evitar qualquer tumulto que possa prejudicar o afastamento
definitivo Dilma Rousseff.
Na currículo do interino Michel Temer, consta –
conforme simples consulta a Wikipedia esta manhã – um conjunto de
acusações graves em busca de esclarecimentos límpidos. Uma das mais
antigas sustenta que, como Secretário de Segurança do governo de São
Paulo, mostrou-se conivente com o jogo do bicho, um velho e amplo
esquema de corrupção da política paulista, até que o caso foi arquivado
no STF em 2006.
Em vários países sul-americanos, a denúncia de que um
político colaborou com a CIA costuma ser suficiente para arruinar sua
carreira por traição a pátria, como lembra o caso de Carlos Andrez
Perez, presidente da Venezuela no período anterior ao governo Hugo
Chávez.
A denúncia de que Temer foi informante da embaixada
dos EUA foi divulgada pelo Wikileaks, em maio, reproduzida em tom
compreensível de espanto em vários do planeta mas não gerou maiores
explicações. Temer foi incluído numa relação de políticos beneficiados
com uma mesada de R$ 100 000 do esquema do governador do Distrito
Federal, José Roberto Arruda.
Como aprendemos após tantos episódios, as denúncias
de corrupção não costumam ter valor em si –mas em função de sua
utilidade política de cada momento.
A acusação da Odebrecht contra Temer tem uma
gravidade que não se encontra em nenhuma denúncia contra Dilma Rousseff,
afastada do cargo pelo golpe de abril-maio. Não se compara ao
apartamento do Guarujá nem ao sítio de Atibaia de Lula – casos que,
apesar das 1000 repetições da formula da publicidade do nazismo
elaborada por Joseph Goebbels, continuam sendo mentiras que não se
transformaram em verdade.
O horizonte é mais complexo, porém.
O país atravessa a mais grave crise política e
econômica de sua história. Encontra-se num deserto sem perspectivas, sob
dominio de uma articulação que envolve a grande mídia, a parcela mais
influente do Judiciário e o empresáriado o que representa 1% da
população mas consegue submeter 100% do país a seus interesses. Eles
exercem o poder, diretamente, sem intermediários, como recomendaria a
boa prática representativa. Mantem em posição subordinada, como se
fossem cachorrinhos amestrados sob a lona de um circo, uma parcela dos
políticos do PSDB, PMDB, DEM e vizinhanças, conduzidos a defender seus
interesses e maquinações.
Numa situação em que a democracia encontra-se
sequestrada, o objetivo comum é impor uma derrota de longo curso às
lideranças responsáveis pelos 13 anos de governo Lula-Dilma, esmagando
quem resistir e arrancando a raiz de novas sementes que poderiam
germinar. Esta é a prioridade. Gilmar Mendes já fala em extinguir o
Partido dos Trabalhadores.
Vale até fechar os olhos para medidas típicas de ditadura, como proibir cartezes e camisetas Fora Temer nas Olimpíadas.
Temer é protegido e será preservado enquanto puder
contribuir para isso. Trouxe uma solução sob medida para um golpe que
não ousava dizer seu nome. Era o vice, condição que poderia evitar
atropelos formais contra a Constituição. Tornava a saída de Dilma menos
escandalosa. O vice estava pronto para trair, enquanto resmungava que
não era bem tratado pela titular. A todo momento, mostrou disposição
para defender a casca do ritual de impeachment.
Temer será abandonado e conduzido à vala comum
reservada a Eduardo Cunha, quando e se não tiver mais serventia. Até lá
será cozinhado em fogo brando, para que a deposição, caso venha setornar
inevitável, não implique na convocação de novas eleições. Este é o
ponto central, a linha divisória. Neste momento, qualquer debate, toda
discussão, pode representar um oxigênio ao conjunto de lideranças
atingidas pelo golpe, que podem ganhar oxigênio e espaço para explicar o
que aconteceu.
Não há saída? Há. É difícil mas não custa lembrar que
os homens nunca puderam escolher as condições em que irão atuar para
defender causas justas e interesses respeitáveis. Numa situação
desfavorável, a prioridade número 1 consiste em reagrupar as forças que
resistem ao golpe para defender o retorno da legalidade democrática, que
se inicia com a volta de Dilma à presidência. A prioridade do novo
governo consiste em convocar um plebiscito, que autorize a realização de
novas eleições presidenciais. A democracia pode ser recuperada. Esta é a
luta, agora. Mais do que nunca, Fora Temer!
Brasil 247