247 – Nesta quinta-feira, começa a
fase decisiva do julgamento da presidente Dilma Rousseff. Serão ouvidas
testemunhas e ela própria irá ao Senado, na próxima segunda-feira 29,
para se defender diante de 81 senadores e da História.
Como já apontaram juristas, historiadores,
intelectuais e, mais recentemente um grupo de artistas e pensadores
internacionais (saiba maisaqui),
o Brasil de 2016 está sendo vítima de um golpe de estado, uma vez que
até os opositores de Dilma sabem que não foi cometido qualquer crime de
responsabilidade como exige a Constituição para que ocorra um processo
de impeachment. Está-se diante de um golpe branco, sem tanques e canhões
nas ruas, mas, ainda assim, um golpe que envergonhará para sempre a
atual e as novas gerações caso venha a ser consumado.
Trata-se de um golpe parlamentar em que a decisão de
apenas 54 senadores pode vir a cassar o voto de 54 milhões de eleitores.
A esses parlamentares, tudo tem sido prometido no mercado persa aberto
pelo interino Michel Temer, de quem se esperava lealdade à presidente
eleita, para se manter no poder. É um vale-tudo de uma eleição indireta
que transformou o presidencialismo brasileiro num parlamentarismo
imposto à força, sem que o povo fosse consultado,
No roteiro original do golpe, idealizado por
lideranças da oposição derrotada nas últimas quatro eleições
presidenciais, Temer seria apenas um fator de transição e faria a
chamada "ponte para o futuro" depois da deposição da presidente eleita. O
impeachment seria facilmente aceito pela sociedade e o vice em
exercício, com apoio de meios de comunicação conservadores, faria
reformas profundas – e altamente impopulares – na economia.
Nada disso deu certo. A mais recente pesquisa Vox
Populi revela que 79% dos brasileiros defendem a saída imediata de Temer
do cargo – para 61% deve haver novas eleições, enquanto 18% querem que
Dilma siga até o fim de 2018. A desestabilização provocada pelo golpe,
que trouxe consigo uma sabotagem parlamentar de dois anos, arrastou a
economia para a mais grave recessão de sua história e aproximou as
contas públicas brasileiras, pretexto para o golpe, das contas públicas
da Grécia, como apontou um ministro do próprio governo interino. E
aliados que, até ontem, apoiavam o golpe, já ameaçam romper com o
interino com a percepção crescente de fracasso do projeto golpista.
O valor do voto
Na narrativa conservadora, o segundo impeachment
desde a redemocratização seria a prova de maturidade das instituições
brasileiras. Na verdade, o Brasil assiste hoje ao apodrecimento de suas
instituições, cujo exemplo mais recente é a guerra aberta entre
ministros do Supremo Tribunal Federal, procuradores e associações de
magistrados, diante do choque entre investigações e a fragilização das
garantias individuais.
O ponto central, no entanto, é outro. Caso Dilma seja
efetivamente derrubada sem que tenha cometido crime de
responsabilidade, a grande questão a se colocar será outra: para que
votar? Qual será o valor do voto em novas eleições, mesmo que elas
ocorram em 2018, 2022, 2026, se nenhum governante estará mais seguro?
O que o golpe de 2016 ensina para a História é muito
claro: só ficarão no poder aqueles que forem capazes de domar as
oligarquias e as chantagens parlamentares – no caso de Dilma,
representadas pelo deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), sem o qual
nada disso estaria acontecendo.
Isso significa que, se o golpe realmente se consumar,
o Brasil não deixará de ser uma democracia apenas durante a "ponte para
o futuro" de Michel Temer. Deixará de ser uma democracia para sempre,
pois aqui ficará provado que as oligarquias midiáticas e os conchavos
parlamentares são sempre mais fortes do que a soberania popular.
Dentro de uma semana, cada senador escolherá como será lembrado pela História: se como coveiro da democracia ou não.
Brasil 247