Cassado por 450 deputados nesta madrugada, Eduardo Cunha perdeu os direitos políticos e o foro privilegiado, podendo ser preso a qualquer momento por seu envolvimento na Operação Lava Jato.
Na queda, ele culpou o governo de Michel Temer e
poderá agora delatar centenas de deputados, senadores e ministros, além
do próprio presidente (leia aqui previsão da consultoria Eurasia a respeito).
Abaixo, reportagem da Reuters sobre a queda de Cunha:
Por Maria Carolina Marcello
BRASÍLIA (Reuters) - O ex-presidente
da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ) teve seu mandato
cassado nos últimos minutos da segunda-feira, marcando o fim de uma
força política que detonou o processo de impeachment da ex-presidente
Dilma Rousseff, e, sem sair da linha polêmica que vinha seguindo, caiu
atirando e apontou o governo de Michel Temer como um dos culpados pela
perda do mandato.
Para ele, o resultado com larga vantagem para sua
cassação – 450 votos favoráveis, 10 contra e 9 abstenções– foi fruto de
uma conjuntura que reuniu a articulação do governo e a proximidade das
eleições municipais, além de ter sido alimentado por um desejo de
"vingança" nutrido por aliados de Dilma.
"É o conjunto político, do processo de vingança, da
conjuntura. E aí eu culpo o governo hoje, não porque o governo tenha
feito nada para me cassar, mas quando o governo patrocinou a candidatura
do presidente que se elegeu em acordo com o PT, o governo, de uma certa
forma, aderiu à agenda da minha cassação", disse.
Cunha refere-se à eleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) ao
comando da Casa, candidatura que contou com o apoio de aliados de Dilma
justamente por ser a mais competitiva em contraposição ao candidato
mais identificado com Cunha.
"Eu disse que o governo é culpado quando fez o
patrocínio, porque quem elegeu o presidente da Casa foi o governo, quem
derrotou o candidato Rogério Rosso (PSD-DF) foi o governo", afirmou,
negando no entanto, que seja de seu feitio fazer ameaças.
A cassação de Cunha marca o fim, ao menos por ora, de
sua carreira política, já que com a Lei da Ficha Limpa a perda do
mandato o deixa inelegível por oito anos, mas não encerra a controvérsia
que cerca o deputado. Cresce agora, no ambiente político, o temor que
faça uma delação premiada no âmbito da Lava Jato, podendo envolver
integrantes do atual governo.
Questionado por jornalistas se faria este tipo de
acordo, Cunha afirmou que apenas criminosos fazem delação e, como
segundo disse, não cometeu crimes, não tem o que delatar.
DE LÍDER DO CENTRÃO A CASSADO
Cunha saiu de um contexto em que era uma das
principais lideranças políticas do Congresso para uma situação de
debandada de aliados. Antes, no tempo em que presidiu a Câmara entre
2015 e 2016, reuniu um grupo de parlamentares da base do governo Dilma
que sob seu comando impôs derrotas importantes em votações caras ao
Palácio do Planalto.
O grupo de mais de 200 parlamentares tornou-se uma
tropa capaz de prolongar a tramitação do processo de cassação por quebra
de decoro parlamentar que Cunha sofreu sob a acusação de ter mentido
quando depôs espontaneamente à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)
da Petrobras.
Na ocasião, negou ter contas no exterior, mas
documentos dos Ministérios Públicos da Suíça e do Brasil apontaram a
existência de contas dele e de familiares no país europeu.
Ainda assim, Cunha mantinha sua força política junto
ao grupo de mais de 200 parlamentares e ganhou especial interesse de
integrantes da oposição a Dilma, que viam no deputado a chance de levar
adiante um impeachment da então presidente.
Passou a ver sua força diminuir quando o Supremo
Tribunal Federal (STF) aceitou denúncia e o transformou em réu, em março
deste ano. Depois, em maio, o STF determinou seu afastamento do cargo
de presidente da Câmara e a suspensão de seu mandato. Em junho, o
deputado tornou-se réu em uma segunda ação penal.
Não bastassem os reveses jurídicos, Cunha passou a
perder aliados no campo político. Uma vez efetivado o impedimento de
Dilma, passou a sofrer críticas duras da oposição à petista.
A situação chegou ao ponto de aliados aconselharem-no
publicamente a renunciar antes que o Conselho de Ética aprovasse um
parecer pela cassação. Perdeu o timing, e, em seu último discurso antes
da votação que cassou seu mandato, pediu que os colegas votassem não
pelo conjunto da obra, mas pelas acusações específicas que recaem sobre
ele.
Em sua defesa, adotou uma postura de ataque e disse
ser vítima de vingança por ter aceito o pedido de abertura de processo
de impeachment, além de afirmar que recebeu tratamento diferenciado por
parte da Justiça.
"É só por vingança", declarou da tribuna, pouco antes
da votação que selou seu destino político. "Alguém tem dúvida que se
não fosse a minha atuação teria aquele processo de impeachment?",
questionou.
"Estou pagando o preço de ter o meu mandato cassado
por ter dado continuidade do processo de impeachment… é o preço que
estou pagando para o Brasil ficar livre do PT."
O PROCESSO
A representação que deu origem a processo de cassação
foi apresentada em outubro do ano passado pelo PSOL e pela Rede, além
de ter sido assinada por deputados de outros partidos, muitos deles do
PT, a partir de denúncias da existência de contas bancárias secretas na
Suíça de Cunha e de familiares.
Após muitas idas e vindas, o Conselho de Ética
aprovou, em junho, o parecer do deputado Marcos Rogério (DEM-RO), pela
cassação do mandato do parlamentar.
Aliados, já mais esparsos, tentaram recorrer à
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, sem sucesso, e
também lançaram mão de prerrogativas do regimento para tentar amenizar a
pena do deputado.
Chegaram a aventar a possibilidade de, a exemplo do
que foi feito na votação que cassou o mandato de Dilma mas manteve seus
direitos políticos, fatiar a votação.
O deputado Carlos Marun (PMDB-MS), por exemplo,
apresentou questão de ordem defendendo que pudesse ser colocado em
votação não o parecer de Rogério pela cassação, mas um projeto de
resolução, passível de ser emendado –comportando, inclusive, uma pena
mais branda a Cunha.
Mas apesar do empenho de Marun, e da iniciativa do
próprio Cunha de procurar pessoalmente vários deputados, pedindo que não
dessem quórum na sessão desta segunda-feira, a proximidade das eleições
municipais e a pressão popular não deixaram muita margem para outro
resultado que não a cassação.