“As pessoas vão para as ruas e vem a repressão. Cegam
uma menina. Depois, matam alguém, como foi com o estudante Edson Luís
(1968). Então dizem que a culpa é do manifestante, pois a violência
partiu deles. Isso que ninguém da minha geração pode compactuar. O
terrorismo do Estado é gravíssimo. O poder dele para reprimir é muito
forte. Assim começam as ditaduras. Não precisam ser militares, podem ser
civis disfarçadas”, afirmou a presidente afastada Dilma Rousseff,
fazendo referência à jovem Deborah Fabri, que perdeu a visão do olho
esquerdo ao ser atingida por uma bala de borracha.
Da Rede Brasil Atual
– “É a segunda vez que votam meus direitos políticos. Fui condenada
três vezes na ditadura (1964-1985). Ontem, como hoje, ilegítimo”,
definiu a ex-presidenta Dilma Rousseff, em entrevista concedida ontem
(2) para a imprensa internacional. Ao traçar paralelos entre os golpes,
mostrou preocupação sobre o futuro: “Prefiro a voz surda das ruas do que
os silêncio das ditaduras (…) sei como começa e como termina a
história”.
“As pessoas vão para as ruas e vem a repressão. Cegam
uma menina. Depois, matam alguém, como foi com o estudante Edson Luís
(1968). Então dizem que a culpa é do manifestante, pois a violência
partiu deles. Isso que ninguém da minha geração pode compactuar. O
terrorismo do Estado é gravíssimo. O poder dele para reprimir é muito
forte. Assim começam as ditaduras. Não precisam ser militares, podem ser
civis disfarçadas”, afirmou em referência às recentes ações violentas
da Polícia Militar contra atos contrários ao governo de Michel Temer
(PMDB).
Ao lado de seu advogado e ex-ministro da Justiça,
José Eduardo Cardozo, Dilma respondeu aos jornalistas de forma
descontraída, sem deixar de lado a seriedade do momento. “Temos que
debater. Não é possível o tipo de repressão que estamos vendo. Não é
possível que não se possa falar o que quiser, como ‘Fora, Temer’. Quando
começamos a ter medo das palavras, começa a arbitrariedade. Temer as
palavras leva a isso. Veja, jamais tivemos medo das palavras, conheço
uma ditadura na pele”, disse.
Em relação ao processo de impeachment, Dilma lamentou
que, junto com ela, “foi julgada a democracia”. “Acho gravíssimo que um
programa não eleito nas urnas seja executado. Parte da sociedade vai
entender isso progressivamente. Infelizmente perdemos e espero que
saibamos como reconstruir a democracia. Também espero que sejamos
capazes de ter a clareza de que isso nunca mais pode acontecer”, disse.
“O golpe parlamentar atua como um parasita que corrói a democracia”,
completou.
Dilma argumentou que, com alterações na economia
mundial, o Congresso arquitetou formas de desestabilizar seu governo.
Além do impeachment, as ações do Legislativo aprofundaram a crise. “A
crise econômica começa no final de 2014 nos países emergentes (…) No
Brasil, o maior componente foi a crise política. Ela impede
sistematicamente a retomada do crescimento econômico. Ao longo de 2015,
tivemos todos os projetos negados pela Câmara ou aceitos com alterações.
Também tivemos as pautas-bomba”.
“O segundo ponto importante foi a ação do
ex-presidente da Casa e deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Ele é
o grande articulador do golpe. Houve uma deliberada tentativa de
desestabilizar o meu governo. Além de não aprovar o que mandávamos, eles
ampliaram os gastos. Chegamos ao ponto de R$ 130 bilhões em estoque de
pautas-bomba no Congresso. Em 2016 piorou: o Legislativo não funcionou.
Do dia da abertura, até cinco dias antes de meu afastamento, nenhuma
comissão funcionou na Casa”, disse a petista.
Dilma criticou o argumento para sua deposição e
ressaltou pontos positivos das gestões petistas nos últimos 13 anos.
“Senadores do PSDB e do DEM dizem que os motivos pelo impeachment e as
causas da crise são o Plano Safra e os decretos de crédito suplementar.
Isso é ridículo, é subestimar a inteligência das pessoas (…) Hoje, o
Brasil tem fundamentos sólidos: US$ 378 bilhões em reservas, quando o
FHC deixou o governo tinha US$ 34 bilhões. Nossa dívida não é mais
denominada em dólares, e sim em reais. Isso significa que controlamos
nossa economia, diferente nos tempos anteriores, onde qualquer crise no
exterior causava uma corrida contra o real”, argumentou.
Mudanças
Dilma reafirmou seu apoio à convocação de eleições
diretas e afirmou que mudanças são necessárias no modelo político
brasileiro. “Não existe uma ação homogênea de partidos no Brasil. Por
isso, quando propusemos um plebiscito para chamar eleições, falamos de
reforma política. Precisamos criar governabilidade. Veja, o FHC precisou
de três partidos para obter maioria simples no Congresso e quatro para a
composta. Lula precisou de oito e 11. Eu precisei de 14 e 20. Isso,
além de que os partidos não tem unidade, na hora de votação, atuam por
interesses”, disse.
“Temos que trabalhar para aprofundar o caráter
programático dos partidos. Ninguém terá uma governabilidade que não seja
‘toma lá, dá cá’. É difícil conviver neste sistema se você tiver
convicções. Por isso me chamam de dura, porque recuso e recusei
(negociatas). Ora, Cunha queria que três deputados do PT votassem contra
sua cassação para que não passasse o impeachment. Não é porque me
retiraram da presidência que este processo amenizou”, completou.
Questionada sobre atuações futuras, Dilma disse que
nunca deixou a política de lado, mesmo sem atuar em cargos eletivos.
“Sempre fiz política sem ter mandato. Não fui presa durante a ditadura
enquanto parlamentar. Fui militante e presidente. Não tenho nenhum
projeto muito claro, mas para mim, a política é quando me coloco a
questão: ‘O que acho correto, o que posso fazer para o conjunto de
homens e mulheres que dividem comigo este tempo histórico?’. Política é a
obrigação de pensar nos outros, não apenas (de forma) partidária”,
concluiu.
Brasil 247