Imprensa alemã vê “derrota” e “declaração de
falência” de um país com o processo de impeachment; uma nação "que
queria ser moderna" recua no tempo e se coloca ao lado de Honduras e
Paraguai como países onde "presidentes eleitos foram afastados de forma
questionável", afirmam jornais alemães sobre o afastamento de Dilma;
para o britânico The Guardian, "a batalha [de Dilma] se assemelha cada
vez mais a de um animal ferido cercado por predadores se preparando para
matar".
Por Deutsche Welle
A aprovação do processo de impeachment da presidente
Dilma Rousseff pelo Senado é um dos principais destaques da imprensa
europeia nesta quinta-feira (12/05).
Com o título "Um país perde", o site Spiegel Online
afirma que "o drama em torno da presidente é um vexame para um país
afundado na crise". Para o correspondente Jens Glüsing, "o grande e
orgulhoso Brasil terá que se resignar a, no futuro, ser citado por
historiadores ao lado de Honduras e Paraguai – e não só por causa de
apresentações bizarras de seus representantes populares. Também em
Honduras e Paraguai, presidentes eleitos foram afastados de forma
questionável do cargo."
Para ele, o "espetáculo indigno" apresentado pelos
políticos brasileiros "prejudicou de forma duradoura as instituições e a
imagem do país". O jornalista afirma que Dilma não está sendo acusada
de nenhum crime, a não ser que se considere a maquiagem orçamentária uma
infração. "Mas aí todos os seus antecessores e também muitos
governadores teriam de ser expulsos do cargo."
Discurso de Dilma após decisão do Senado
Na análise do semanário Die Zeit, o
afastamento de Dilma é "a declaração de falência do Brasil". O
jornalista Michael Stürzenhofecker afirma que o país queria se
apresentar como uma nação moderna com os Jogos Olímpicos, mas o processo
de afastamento de Dilma é um "recuo aos velhos tempos" e também os 31º
Jogos não serão realizados numa "democracia sem máculas".
"O processo contra Rousseff não é jurídico, mas
político", afirma o jornalista, que lembra a baixa popularidade de Dilma
e a sua falta de apoio político. "O que mais move as pessoas, porém, é a
casta política corrupta. O paradoxal nisso é que Rousseff precisa sair
porque atacou o problema. Os investigadores da Lava Jato acusaram muitos
de seus partidários. Também ela foi investigada, mas nada foi provado."
Por fim, a análise lembra que há muitos acusados de
corrupção entre aqueles que afastaram a presidente e elogia Dilma por
ter deixado os investigadores agirem com relativa liberdade, sem
interferir. "Isso é incomum para uma líder política que enfrentou uma
pressão desse tamanho." Para o jornalista, o processo todo "é uma
derrota para o Brasil, e a recém-adquirida confiança nas instituições e
na democracia está abalada. Com o impeachment, o país está a caminho de
se tornar a maior república de bananas do mundo".
Imagens do anúncio da decisão do Senado
No Süddeutsche Zeitung, a análise "Estes
homens derrubaram a presidente" apresenta uma relação de todos os
envolvidos no processo. "Na opinião de muitos juristas, as acusações são
tênues, muitos chefes de Estado antes de Rousseff agiram de forma
semelhante e não foram afastados do cargo. A queda de presidente é muito
mais o resultado de intrigas políticas, costuradas pelos adversários de
Rousseff."
Em seguida, o jornalista Benedikt Peters apresenta o
vice-presidente Michel Temer como o grande vencedor do processo e lembra
que personagens-chave do impeachment, como o deputado Eduardo Cunha,
são, "ao contrário de Rousseff", acusados de corrupção.
O Frankfurter Allgemeine Zeitung analisa o
processo como "uma marcante guinada à direita" e afirma que "o sucessor
Michel Temer precisa carregar um peso enorme no chão de uma legitimidade
frágil". O jornalista Matthias Rüb afirma que o país necessita
urgentemente de estabilidade política e lembra os problemas da economia
brasileira.
Para ele, a herança do PT não é grandiosa depois de
quase 13 anos de domínio, e o partido deve assumir a responsabilidade
pelo atual desastre. Ainda assim, e apesar da grande recessão, "o maior
país da América Latina está longe de se transformar num Estado mafioso e
falido como a Venezuela", e o combate à pobreza é uma conquista
permanente.
Para o jornalista, o Brasil tem divisas suficientes, e
os setores primário e secundário são estáveis. "Uma mudança rápida para
melhor é possível. Mas, para isso, é necessário estabilidade política e
disposição para reformas da parte do presidente interino, Michel Temer.
Que Rousseff e os grandes do PT continuem falando de golpe e anunciem
oposição contínua também fora das instituições políticas é algo
irresponsável", comenta.
"Vocês conseguem fazer a tristeza diminuir", diz Dilma a apoiadores
No Reino Unido, o jornal The Guardian diz
que a primeira mulher a presidir o Brasil foi afastada pelo voto de
senadores que colocaram problemas econômicos, a paralisia política e
irregularidades fiscais à frente do voto de 54 milhões de brasileiros
que elegeram a representante do PT em 2014.
"O impeachment é mais político do que jurídico",
escreve a publicação britânica. Os senadores, diz, tiveram uma postura
mais sóbria do que os deputados, que protagonizaram cenas
"triunfantemente feias".
Em artigo intitulado "Uma guerreira até o fim: Dilma
Rousseff – pecadora e santa na luta do impeachment", o correspondente
Jonathan Watts diz que apesar de ser menos "corrompida" que seus
acusadores, a "teimosia" e a "natureza fechada" da presidente a deixaram
sem os instrumentos necessários para enfrentar a crise.
"Traída por seu companheiro de chapa, condenada por
um Congresso contaminado por corrupção e insultada pelo abuso que sofreu
como prisioneira da ditadura militar, a líder do Partido dos
Trabalhadores sofreu um grande golpe nesta quinta-feira, quando o Senado
votou pelo seu impeachment", escreve.
Segundo o The Guardian, a presidente
protestou contra a misoginia e prometeu lutar até o "amargo fim". "Mas a
batalha dela se assemelha cada vez mais a de um animal ferido cercado
por predadores se preparando para matar", diz o texto.
A publicação argumenta que a crise política e
econômica não é culpa apenas de Rousseff, mas também de um Congresso
fragmentado, que não permitiu a construção de uma coalizão.
O passo a passo do impeachment
O El País, que nesta quarta-feira publicou um editorial
chamando o processo de impeachment de "irregular", destaca que os
senadores falaram sobre as manobras fiscais, mas se concentraram no
"catastrófico curso da economia" para justificar os votos.
A sessão plenária, que teve uma "extensão
maratoniana", transcorreu sem os excessos "chocantes" e "ridículos"
vistos durante a votação do processo na Câmara dos Deputados, em abril.
O francês Le Monde diz que Temer e sua
comitiva estavam prontos para o "sacrifício". "O homem, puro produto do
sistema político brasileiro, conhecedor das intrigas parlamentares,
descrito pela comitiva da presidente brasileira como um ‘conspirador’,
‘traidor’ e um ‘ejaculador precoce’, que pensa há meses no trono, está
prestes a chegar ao degrau mais alto do poder", afirma a publicação.
Desconhecido do público, o filho de imigrantes libaneses encarna a esperança do fim da crise, diz o Le Monde,
que acrescenta que Temer herda uma situação dramática, mas tem a
confiança do mercado financeiro. O artigo questiona se presidente
interino será capaz de conciliar uma sociedade dividida pelo processo de
impeachment, já que ele é citado na Operação Lava Jato.
Para o Corriere della Sera, o Senado disse
"sim" ao impeachment, mas Dilma ainda tem esperança de retorno. Segundo o
jornal italiano, o caminho do presidente interino não será fácil. Temer
terá que enfrentar a resistência de parlamentares do PT que anunciaram a
"obstrução sistemática" de todas as propostas feitas por ele.
"O Brasil vive o segundo ano consecutivo de recessão
severa e tudo está num impasse há meses devido à crise política", diz a
publicação. Temer vai pedir que o Congresso apoie uma forte manobra para
colocar as finanças públicas em ordem e nomear novos ministros. "É
preciso resultados rápidos, que justifiquem uma inversão que tem
levantado muitas dúvidas, mesmo fora do país."
Brasil 247