Batista, que começou a receber ameaças, agora tem medo de sair de casa. Não é o primeiro caso do tipo: em 2014, uma mulher foi espancadaaté a morte no Guarujá, litoral paulista, depois de ser acusada, em boatos em redes sociais, de que estuprava e sequestrava crianças. No entanto, nem sequer existiam denúncias do tipo na região.
Esses casos demonstram o que acontece a indivíduos, em casos extremos, quando o compartilhamento de informações mentirosas sai do controle. Essa prática, comum em um mundo no qual todos são consumidores e produtores de conteúdo, também pode ter impactos políticos e sociais – na medida em que informações falsas ajudam as pessoas a construir opiniões.
Nos últimos anos, a crise política escancarou esse cenário no Brasil. De acordo com um levantamento do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Acesso a Informação da USP, na semana em que a Câmara autorizou a abertura do impeachment da ex-presidente Dilma Roussef, em abril, três das cinco matérias mais compartilhadas no Facebook no Brasil eram falsas.
Por que as pessoas compartilham informações sem checá-las
“A dinâmica [de compartilhamento de boatos] é um efeito da polarização do debate político, mas também é muito marcada pelo viés de confirmação”, disse ao Nexo Marcio M. Ribeiro, professor da USP e pesquisador do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Acesso a Informação da universidade.O viés de confirmação é uma tendência cognitiva que faz com que nós tenhamos mais propensão de lembrar, pesquisar informações ou interpretar fatos de maneira que eles confirmem nossas crenças ou hipóteses.
Na dinâmica da comunicação digital e dos algoritmos que mostram apenas aquilo que queremos ver, o viés de confirmação cria uma “bolha” de visão de mundo que exclui aqueles que pensam diferente – o chamado “filtro bolha”.
Quando recebemos, por meio das redes sociais, o link de uma matéria que confirma nossa visão de mundo, temos mais chances de ignorar possíveis evidências de que ela seja falsa.
“Na dinâmica das redes sociais, as pessoas têm tanta ou mais responsabilidade que os veículos em determinar qual conteúdo terá mais ou menos visibilidade por meio do compartilhamento”, diz Ribeiro. Por isso, cabe também aos usuários garantir que a informação compartilhada seja verdadeira.
Como identificar notícias falsas e matérias inverídicas
Abaixo, o Nexo reuniu um conjunto de boas práticas que podem ser aplicadas de maneira rápida, no dia a dia, por qualquer pessoa. Geralmente, o ideal é usar mais de uma técnica – e, se tiver tempo, todas elas.10 boas práticas para o consumo de informações na web
CRUZAMENTO DE FONTES
É simples: basta jogar as informações-chave
relacionadas à notícia em questão no Google e verificar se outros
veículos também falaram dela, e em quais termos. Caso você encontre
apenas uma fonte para aquela informação, vale desconfiar. Se encontrar
várias fontes, mas todas elas forem cópias de apenas um veículo, também é
razoável considerar a matéria com cautela.
BUSCAR A FONTE ORIGINAL
Uma notícia ou print mostra que uma figura
pública disse ou fez alguma coisa. Confira nos canais oficiais daquela
pessoa se o print é verdadeiro, ou se há uma entrevista original,
publicada em um veículo de confiança, que exiba a declaração em questão.
Também é importante ficar atento a perfis falsos – muitas vezes, prints
de declarações polêmicas têm origens em perfis não-oficiais, às vezes
criados com propósitos humorísticos, outras para difamar alguma figura
pública.
CREDIBILIDADE DE QUEM PUBLICA
Verifique o histórico do veículo que publicou a
informação. Redações com jornalistas profissionais, sejam de veículos
tradicionais ou novos, mantêm critérios de checagem em suas reportagens.
E quando há erro, essas redações costumam corrigi-los. Isso não quer
dizer que sites e blogs pequenos, além de posts no Facebook ou em outras
redes sociais, não tragam bons conteúdos. Basta que você conheça o
histórico desses canais.
ADJETIVOS DEMAIS SÃO SUSPEITOS
O excesso de adjetivos para difamar ou exaltar
alguém ou algo, ou seja, um viés muito claro de acusação ou defesa no
texto, também merecem sinal amarelo (especialmente em textos
noticiosos).
FAÇA UMA BUSCA REVERSA DA IMAGEM
Muitas fotos que circulam nas redes sociais são
montagens. Antes de compartilhar a suposta foto da capa da revista
“Time” que mostra uma reportagem bombástica sobre o Brasil, confira no
próprio site do veículo – ou faça uma busca reversa, que procura a
imagem no Google e encontra outros lugares em que ela (ou versões
parecidas) foram publicadas. Para fazer isso, basta acessar a busca de
imagens do Google. Então, clique no ícone de câmera dentro do campo de
busca e transfira a imagem que gostaria de pesquisar.
HÁ GENTE QUE SE DEDICA A ACHAR BOATOS
Para qualquer tipo de informação recebida via
Whatsapp e Facebook, há sites dedicados exclusivamente a pesquisar e
confirmar (ou não) os boatos espalhados nas redes. Dois dos mais famosos
são o E-Farsas e o Boatos.org. Uma visita rápida pode evitar o compartilhamento de uma informação falsa.
VERIFIQUE A DATA DA PUBLICAÇÃO
Em um contexto e data diferente, uma notícia
antiga pode servir a uma narrativa atual completamente diferente daquela
em que ela estava inserida no passado. Por isso, é comum que links
antigos ganhem novas ondas de compartilhamento anos depois de
publicados. Para evitar que uma informação fora de contexto contamine
seu julgamento, adquira o hábito de checar a data de publicação de uma
matéria antes de compartilhá-la. Geralmente, essa informação se encontra
embaixo do título.
VÁ ALÉM DO TÍTULO
É relativamente comum o compartilhamento de
informações por Whatsapp e Facebook apenas com base no título do link. O
título, no entanto, pode ser modificado: além de o Facebook permitir
isso na publicação do conteúdo, também é possível usar ferramentas que
mudem o título exibido quando o link é compartilhado. Por isso, evite
compartilhar material sem ler o conteúdo completo.
SEM FONTE, NÃO CONFIE
Em muitos casos, textos ou vídeos compartilhados
por mensagens do Whatsapp vêm sem uma fonte – ou, então, mencionam fonte
sem um link para ela. Cheque sempre, usando o Google, se a informação é
verdadeira e está mesmo disponível na fonte mencionada. Se o conteúdo
vier sem fonte, é muito improvável que seja real. Além disso, ligue o
radar diante de vídeos ou áudios gravados por completos desconhecidos.
Qualquer um pode fazer um vídeo ou áudio de Whatsapp e dizer o que
quiser, e já temos provas suficientes de que muita gente inventa
informações falsas para compartilhar nessas redes.
NA DÚVIDA, PENSE DUAS VEZES
“Na dúvida, achei melhor compartilhar.” Você já
deve ter lido a frase por aí. No entanto, embora a abordagem seja muitas
vezes bem intencionada, ela pode ter efeitos trágicos – como aqueles
mencionados nos primeiros parágrafos deste texto. Caso não consiga obter
confirmação de uma informação que consumiu na internet, recomendamos
que considere não compartilhá-la.
ESTAVA ERRADO: A versão inicial deste texto
sugeria ser necessário usar o navegador Google Chrome para executar uma
busca reversa de imagens, quando na verdade isso pode ser feito de
outras maneiras. A informação foi corrigida às 18h17 do dia 13 de
outubro de 2016.